VENTO NO ROSTO AO VER VAN GOGH

O Metropolitan Museum of Art reúne a partir da próxima semana 24 pinturas de ciprestes de Vincent Van Gogh, até então considerados como metáforas rodopiantes e hipnóticas da mente atormentada do pintor holandês. Van Gogh pintou essas árvores durante sua estada no sul da França, em Arles, no fim da vida, pouco antes da morte num episódio descrito como suicídio aos 37 anos, durante uma crise.

Além das telas, integram a exposição 15 desenhos e quatro cartas ilustradas nas quais o cipreste aparece — nem sempre como tema principal. A mostra inclui ainda a famosa tela “Starry Night”, acervo do Metropolitan que apresenta, além dos ritmos hipnóticos de seu céu rodopiante, um par de ciprestes.

Van Gogh se concentrou no tema durante o verão de 1889, depois de sofrer um colapso mental e entrar voluntariamente no asilo em Saint-Rémy-de-Provence. Confinado a princípio ao terreno do hospital, ele pintou vistas dos campos do lado de fora da janela de seu quarto com grades de ferro .

Na época, em semanas ele foi considerado bem o suficiente para se aventurar além dos muros do hospital. Carregando seu cavalete portátil e caixa de tintas, ele caminhou para campos próximos e ficou impressionado com a visão de ciprestes individuais crescendo na natureza. Van Gogh se perguntou, como disse mais tarde, como poderia capturar essa “mancha escura em uma paisagem ensolarada”. 

Em conjunto, as telas de Van Gogh aos poucos nos libertam de associações sombrias (a árvore cônica sempre foi sentinela em cemitérios no sul da Europa e Oriente Próximo). A julgar por seus próprios escritos, Van Gogh via a árvore de maneira diferente. “Os ciprestes ainda me preocupam”, escreveu ele em junho de 1889, em uma carta a seu irmão Theo. “Gostaria de fazer algo com eles como as telas dos girassóis porque me surpreende que ninguém os tenha feito como os vejo.”

Em 2023, faz dez anos que eu, Cristina Iori, tive um surto psicótico causado por uso excessivo de corticoides. Além do resultado devastador para minha saúde a longo prazo, adquiri na ocasião uma obsessão por Van Gogh, talvez porque no momento estivesse lendo a festejada biografia de Steven Naifeh, que reavalia a tese de suicídio e diagnóstico do pintor.

Sei que, em meio a um curso de Doutorado em Semiologia na PUC de São Paulo, escrevi um trabalho em que questionava o fato do pintor não ter vendido nada durante sua existência, a menos de uma década da explosão expressionista. Não lembro nada, uma linha do texto, não tenho cópia, mas sei que tive nota alta. Então, bobagem não era.

De uma coisa eu sei: o interlocutor de Van Gogh junto ao mercado de arte foi durante toda a existência do pintor apenas seu irmão Theo, que faleceu seis meses após Van Gogh, de tristeza ou depressão. Quem salvou os quadros do pintor, amontoados na casa do irmão e marchand, foi a viúva de Theo, durante décadas de atividade.

Agora, o Metropolitan quer reabilitar os ciprestes de Van Gogh. Caso não saibam, além dos ciprestes, a série de 36 telas com girassóis surgiu por entusiasmo do pintor, já que a flor foi o tema de sua única tela vendida em vida.

A crise climática trouxe a natureza de volta às telas. Van Gogh considerava as flores e árvores a seu redor como “consolo”. Em solidão total, pintava tudo o que estava à vista: a cama e cadeiras vazias em seu quartinho em Arles; deixava o asilo e ganhava os campos. Os ciprestes estão sempre em dupla – o maior ao lado de um menor. É que as sementes não se dispersam muito. Por isso, sempre estão juntas. Mãe e filho.

Durante a organização, especialistas do Metropolitan encontraram um monte de seixos reais em suas pinturas. Uma delas, “Cypresses” (1899), tem matéria rochosa no pigmento.  Seixos de areia e calcário – o maior tem um quarto de polegada de diâmetro – estão embutidos na superfície da tela, especialmente no primeiro plano empastado. Foto abaixo.

Vento forte no rosto vermelho de sol de Van Gogh, seus olhos azuis e as árvores se dobrando, arrancando seu chapéu, o cavalete no chão, a tela idem, as pedrinhas rolando, coladas nos pincéis…Cadê a vida, onde está a beleza, quem é dono da verdade?

A vida está em movimento; a beleza e a verdade nos relatos dos que vêm e vão.

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