JUST KIDS DE PATTY SMITH

Quando comecei a praticar ioga, em meados do século 21 (uau, quanto tempo faz!), meus companheiros me acharam a cara de Patti Smith.

Para quem nunca ouviu falar, trata-se da norte-americana acima, e esta é a foto da capa de seu disco de estreia, Horses, lançado em 1975.

Três décadas depois desta foto, na época do meu grupo de ioga, eu não gostei da comparação. Vamos rever os motivos.

Primeiro, claro, Patti estava (era) era meio andrógina demais, de gravata, paletó nas costas, cara de mau. Patti Smith no Brasil era reconhecida como participante do movimento punk de Nova York, o que historicamente representava a raspa da fonte criativa da Inglaterra nos anos 80. Mas será que o pessoal me julgou como homossexual (?), pensei.

Ok, eu gosto de rock , cheguei a trabalhar na primeira equipe da MTV no Brasil, em 1990/91, mas Patti Smith jamais frequentou o cenário videoclipe, nem o mundo rock’n roll.

Outro motivo: ela não é muito bonita. Eu também não, mas na época fiquei puta.

Tudo isso para dizer que apenas em maio deste ano da graça de 2023 me dignei a ler “Just Kids”, lançado em 2010, autobiografia sobre os primeiros anos da poetisa em Nova York, nas décadas de 1960 e 70.

O livro tem como pano de fundo a história de amor entre Patti e o fotógrafo Robert Mapplethorpe, que morreu décadas depois, vitimado pela AIDS em 1989.

Eu amei o livro. Vou ler todos os relatos de Patti Smith, juro. Na verdade, sempre desdenhei a artista, considerei americana demais, desgrenhada demais, outsider demais para o cenário underground-espetáculo em que cresci, onde todos crescemos “fantasiados de jovens”, com calças jeans desbotadas e cabelos assimétricos.

Vale dizer que eu resolvi ler Patti Smith na semana em que morreu Rita Lee, porque teria que esperar alguns dias antes de ler o livro de Rita escrito após o isolamento da COVID, em 2021.

A morte de Rita me deixou desolada e com saudade, como dizer, de coisas que não voltarão jamais. Não é infância, é uma sensação…

Descobri uma Patti muito mais família e sóbria que Rita, enquanto crescia lindamente (como a brasileira), no pós-guerra entre uma família pobre de quatro irmãos em New Jersey, até descambar para New York ainda muito jovem, com um livro de Rimbaud na bagagem.

E aí é história e só vale dizer que é certo considerar Patti Smith como poetisa, do jeito como aparece na descrição da Wikipedia.

Desde então, retomei um hábito perdido. Reler poesia doidamente. Patti Smith veio de uma família católica, assim como Mapplethorpe, e essa semana foi a de Pentecostes. A poesia tem a ver com o Espírito Santo, com a luz que transforma ignorância em compreensão, que traz clareza ao que está apenas sugerido nas imagens, nas palavras. E então…

“Espírito do ar, vem,

vem depressa,

O invocador te chama.

Vem, e purifica esta terra.

Espírito do ar, vem,

vem depressa.

Levanto-me:

é no meio dos espíritos que eu me levanto.

Os invocadores me protegem,

conduzem-me por entre os espíritos.

Criança, criança, grande criança, levanta-te e vem,

grande criança, pequena criança,

aparece entre nós.”

Herberto Helder, “O Bebedor Nocturno”

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