SEMENTES SÓ OBEDECEM LUZ E CALOR

Enquanto morcegamos sob o sol, mistérios milenares cercam as inexpugnáveis sementes -por vezes tão duras, mas que se abrem docemente a um toque da água ou da luz da manhã. Quem estuda segredos desenvolvidos pelos organismos no passado geológico da Terra dedica-se à paleobiologia.

O segredo das sementes foi um dos temas tratados em Lab Girl (2016), livro de memórias da geoquímica e bióloga Hope Jahren, premiada cientista norte-americana que hoje ocupa uma cátedra na Universidade de Oslo, Noruega.

Ela fala (para mim, durante a pandemia em 2020) sobre seu amor pelas plantas, solo e sementes. Explica como surgiu e cresceu sua ligação com a pesquisa científica. Do encontro com seu parceiro de laboratório e alter-ego, Bill Hagopian, e de seu casamento aos 32 anos com outro cientista, Clint Conrad.

Devorei o livro com quem lê um romance apimentado. Chorei de tristeza quando Hope troca a camaradagem entre ela e Bill pelo romance com um cientista loiro e bonitão em Honolulu, no Hawaii.

Inesquecível, no entanto, é o relato de como, após dias de duelo entre ela, uma máquina laser e uma sementinha, abriu-se para Jahren uma “janelinha” do conhecimento que permite a nós humanos entender um pouco melhor a natureza.

Ao ler sua história, compreendi como torna-se fácil entre pessoas geniais desenvolver características descritas como bipolaridade pela psiquiatria. Jahren teve episódios maníacos. Mas deve ser difícil viver a chatice do dia a dia depois de tocar o céu. E ela tocava o céu enquanto chafurdava na terra, cavando buracos pelos EUA em histórias hilárias, ao lado de Hagopian e seus alunos.

Hope Jahren / foto Ressler Photography 2

Hope Jahren passou a infância em uma pequena cidade no Estado de Minnesota, onde havia neve nove meses por ano. Seus bisavós vieram da Noruega. O pai ensinava física introdutória e ciências numa faculdade local. Com o pai, no laboratório em que ele trabalhava, aprendeu as regras e procedimentos científicos que jamais abandonaria.

Jahren narra a sucessão de aventuras em seu trajeto com universitária e pós-graduanda, em empregos como professora, onde se equilibrava entre surtos de depressão maníaca que atrapalhavam seu desempenho e obstáculos por vezes absurdos de cientistas em busca de financiamento para desenvolver se trabalho.

A narrativa é permeada por seu amor pelo objeto de estudo: as árvores, essas máquinas, “inventadas há mais de 400 milhões de anos”, que criam açúcar a partir de matéria inorgânica – máquinas maravilhosas das quais a própria vida humana depende .

O mapa direcionado ao coração das sementes foi apenas um dos acertos da cientista que trabalhou com professora e pesquisadora em Georgia Institute of Technology e na Johns Hopkins University. Lecionou na Universidade do Hawaii, em Honolulu, entre 2008 e 2016, e lá construiu o chamado Isotope Geobiology Laboratories, com apoio da Fundação Nacional de Ciências, Departamento de Energia e o Instituto Nacional de Ciências, nos EUA.

Sei lá o motivo, mas pensei em Hope Jahren quando li o livro em que Rita Lee narra o fim de sua vida, ao enfrentar a doença pessoal e a endêmica em 2021 até hoje. Que pena a gente não ser capaz de transmitir nossos dados em carapaças hermeticamente fechadas, resistentes a todo o mal, e sensível apenas à beleza, luz e calor.

Se Deus quiser, a Rita Lee volta semente.

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