A cantora irlandesa Sinéad O’Connor, 56, foi encontrada morta num quarto em Londres dia 26 de julho. O primeiro veículo a informar seu falecimento foi The Irish Times, com uma declaração da família que pedia “privacidade”.
Há pouco mais de um ano, em janeiro de 2022, a artista perdeu um de seus quatro filhos, Shane, que fugiu de uma clínica psiquiátrica onde estava internado para tratar depressão sob risco de suicídio. Ele foi encontrado morto três dias após o desaparecimento.
Eu não era especialmente ligada à imagem careca e rebelde da irlandesa até 2007, quando tive acesso a seu depoimento em The Oprah Winfrey Show.
Na entrevista, ela narra como, desde que começou sua carreira de sucesso em gravadora, aos 21 anos, suas reações emocionais -tipo “quebrar móveis em quartos de hotel”, ou “atirar, pratos, copos e talheres em restaurantes” eram vistos como típico comportamento rock’n roll”.
Até que, em 1999, veio a tentativa de suicídio e um diagnóstico de transtorno bipolar e comportamento borderline.
Então fiquei impressionada com a capacidade de Winfrey como entrevistadora, ao perguntar o que a cantora sentiu ao ser medicada por um remédio que fosse funcional. A irlandesa disse: “foi um mergulho em água morna. É como encher um balde com água morna. Seu peito é o balde.”
Existe um crescimento endêmico de doenças mentais no planeta, e distúrbios do tipo, em parte devido à atuação confusa e desenfreada de laboratórios farmacêuticos, são de controle ineficiente.
Sinéad O’Connor enfrentou um inferno nos últimos anos, apenas por atravessar um período difícil para mulheres em geral, mas de manejo sensível para alguém com distúrbio mental.
A cantora tentou o suicídio nada menos que oito vezes em um ano depois de ser “arremessada” na menopausa por uma histerectomia “radical” (remoção do útero). Em 2016, ela ficou 36 horas desaparecida em Chicago (EUA)
Depois, explicou: “O que realmente deu início a tudo isso foi que eu fiz uma histerectomia radical na Irlanda há dois anos e perdi a cabeça depois disso”, disse ela. “E acho que foi isso que aconteceu com minha família, e temos que dar crédito à minha família”.
Criada em Dublin, na Irlanda, Sinéad nunca escondeu a infância difícil e os abusos físicos e sexuais infligidos pela mãe, que tinha, em casa, uma “câmara de tortura” para castigar os filhos.
Em suas memórias, Rememberings , ela conta. “Tenho quatro filhos de quatro pais diferentes, apenas um dos quais me casei, e me casei com três outros homens, nenhum dos quais é o pai dos meus filhos”, escreveu ela. “As pessoas sempre querem saber por que tenho quatro filhos com quatro homens diferentes. Eu digo a eles que aconteceu assim. Não foi algo que planejei, mas não senti que tinha que me casar para ter um filho.”
Em janeiro de 2022, seu filho, Shane, que estava internado numa instituição psiquiátrica para tratar depressão, foi encontrado morto. O jovem tinha 17 anos. Era o terceiro filho de Sinéad, fruto de seu relacionamento com o produtor musical Donal Lunny. A cantora não tinha a custódia do filho desde 2013.
Sobre a produção de seu álbum e o filho em Rememberings . “Foi produzido por Dónal Lunny, assim como meu terceiro filho, Shane”, escreveu ela. “Se não tivéssemos feito este álbum, não teríamos feito nosso lindo filho.”
Depois da morte de Shane, Sinéad deu uma pausa na carreira. Em suas memórias, ela chamou Shane de “a criança que mais se parece comigo, acredito, pelo olhar e por natureza”. Apenas alguns dias antes de sua morte, Sinéad O’Connor tuitou em memória de seu filho. “Vivo como uma criatura noturna morta-viva desde”, escreveu. “Ele era o amor da minha vida, a lâmpada da minha alma. Éramos uma alma em duas metades. Ele foi a única pessoa que me amou incondicionalmente. Estou perdida sem ele.”
Curioso é que, pouco tempo atrás, Sinéad disse aos filhos que, caso morresse repentinamente, a família ligasse primeiro para contadores e gravadora, para resguardar os direitos de reprodução de suas gravações, antes de avisar a mídia.
O maior sucesso da cantora é “Nothing Compares do U”, música composta por Prince e lançada em 1990 pela irlandesa.
Estranho ou não, Prince morreu com 57 anos, aproximadamente a mesma idade. Sua morte aconteceu em 2016, ano em que a cantora tentou suicídio oito vezes.
O bardo de Minneapolis nada tinha a ver com Sinéad (versão irlandesa de Janete). Basta ouvir a versão de Prince: “Nothing Compares to U “.
O que então o festivo e debochado John Lewis Nelson, ou Prince Nelson, tinha em comum com a europeia deprimida e crepuscular Sinéad O’Connor, de maneira que ambos foram encontrados mortos da mesma forma?
Sinéad acabou sozinha num quarto qualquer em Londres. Prince foi encontrado sem vida em sua casa, após uma dose letal de pílulas Vicodin, falsas ou não, fecundas no mercado norte-americano de medicamentos.
Tudo pode ser considerado uma enorme coincidência. Assim será se continuarmos a colocar todos os ídolos que um dia amamos, de uma forma ou de outra, num grande liquidificador.
De um lado, a emoção, alegria ou dor que criadores e artistas podem nos oferecer nesta vida, e qualquer dinheiro como pagamento nunca será o suficiente. De outro, que exista uma forma mais decente de acolher a dissonância que nos ronda impunemente na vida.