PESADELOS NA SÍRIA E TIBETE

Hoje eu não quero falar de flores, árvores ou pássaros. Tive um sonho que, de repente, virou pesadelo. Acordei assustada, pensando em milhares de pessoas aprisionadas em enclaves materiais parecidos. Um pesadelo que é prisão para aqueles que estão despertos.

Pensar nas centenas de milhões que nascem em lugares abençoados e de repente se vêem aprisionados em infernos dos quais só resta escapar.

Sei qual a origem do meu pesadelo. Esta semana, li um texto do ativista tibetano Gyal Lo. Ele defende junto à ONU os direitos da minoria étnica e religiosa que habita o território sob administração chinesa que foi o Estado tibetano, lá no alto do planeta, nas cordilheiras do Himalaia.

O governo chinês indica agora internato desde a pré-escola para crianças tibetanas, onde não há contato com a família e comunidade e o idioma falado é o mandarim apenas.

Embora os internatos chineses para crianças tibetanas existam desde o início da década de 1980, até recentemente matriculavam principalmente alunos do ensino fundamental e médio. Mas a partir de 2010, o governo, em preparação para a nova vaga de pré-escolas residenciais, começou a encerrar escolas locais, inclusive as que ainda existiam em territórios de minorias étnicas.

Depois, tornou a pré-escola residencial um pré-requisito para o ensino fundamental. Embora muitos dos novos internatos estejam longe das cidades de origem das crianças, recusar a matrícula neles significaria que as crianças cresceriam com pouca ou nenhuma educação e ficariam ainda mais marginalizadas numa economia da qual muitos tibetanos já estão excluídos.

Hoje, esses internatos abrigam cerca de um milhão de crianças entre 4 e 18 anos, aproximadamente 80% dessa população. Pelo menos 100 mil dessas crianças têm apenas 4 ou 5 anos de idade.

Difícil para os adultos é desobedecer a nova política. Além de afastar as crianças do sistema educacional, desobedecer à nova política significa ter o seu nome incluído na lista negra dos benefícios do governo. Outros que protestaram contra as novas escolas sofreram consequências terríveis, conta Gyal Lo.

À medida que o governo chinês prossegue a sua busca de mais de 70 anos para construir legitimidade e controle sobre o Tibete, utiliza cada vez mais a educação como um campo de batalha para obter controle político. 

Ao invés de eliminar fisicamente as minorias simplesmente, optaram por matá-los ainda vivos, no coração dos mais jovens. Seria um modo eficaz, mais duradouro. Afinal, asiáticos pensam a longo prazo (não quero fazer graça).

DE SONHO A PESADELO PARTE 2

Recentemente folheei um livro com fotos tiradas no Líbano e Síria na primeira metade do século 20. Encantada, fui procurar imagens recentes.

Não existe mais rua, porto, prédio, localização possível nos dois países, que eram um só então. Coincidência, uma Comissão Independente de Inquérito da Síria divulgou, nesta terça-feira, o relatório mais recente sobre a situação do país árabe, afetado por 12 anos de guerra. O documento será apresentado e discutido no Conselho Internacional de Direitos Humanos daqui a uma semana, em 22 de setembro.

A primeira coisa que vem à cabeça ao ver as fotos recentes da destruição: onde estão as pessoas que habitaram esses lugares? Qual a lógica por detrás de manter tanta e contínua barbárie?

Quanto à primeira pergunta: desde o início do confronto, durante a Primavera Árabe, deixaram a Síria ou vivem em campos pelo menos 6 milhões de refugiados. Por outro lado, 11,5 % da população foi morta. Hoje, são 21,32 milhões de seres humanos, escondidos entre ruinas nas cidades ou zonas rurais.

A Síria é governada de maneira ditatorial por Bashar al-Assad desde 2000 e antes por seu pai, Hafez, desde a década de 1970. Os protestos na Síria contra o governo de Bashar al-Assad foram motivados pela onda de manifestações que se espalhou pelos países árabes e trouxe à tona a insatisfação da população com a forma como a família al-Assad governa o país. Além da presidência, integrantes do clã controlam o exército, segurança pública e ocupam vários ministérios.

Os primeiros protestos aconteceram em Deraa, cidade que fica no sul da Síria, e lá um acontecimento simbólico mobilizou o país contra Bashar al-Assad. Em março de 2011, estudantes foram presos depois de realizar uma pichação contra o presidente do país com uma mensagem que anunciava que ele seria o próximo governante a cair. O evento desencadeou uma guerra civil. Não se sabe desde então o paradeiro dos estudantes.

A revista norte-americana New Yorker publicou em sua mais recente edição a história de um advogado anônimo sírio, conhecido simplesmente como Mustafa.

Pois bem. Mustafa trabalhou incansavelmente ao longo de uma década, escondido entre ruínas, assumindo enormes riscos pessoais, a fim de garantir um tesouro sem precedentes de provas de crimes de guerra contra o regime de Bashar al-Assad. 

Os esforços de Mustafa agora estão em mãos do grupo denominado Comissão para a Justiça e Responsabilidade Internacional. Vamos ver o que acontece.

Os documentos envolveram o desenvolvimento de fontes dentro da oposição, o contrabando de documentos e a passagem de fronteiras. Ao mesmo tempo em que protegia a sua família, tentando manter a sua identidade em segredo, Mustafa continuaria ajudando a construir o que a publicação identifica como “o primeiro relatório sobre crimes de guerra sírios”. O documento se concentra na “condução das hostilidades” e descreve “uma litania de crimes”, que vão desde bombardeios indiscriminados até execuções em massa de civis que foram presos e mortos em armazéns e fábricas enquanto as forças do regime avançavam. 

Antes de sucumbir sob ameaça do regime sírio, Mustafa foi esmagado por um terremoto, dizem, na Turquia. Para defender suas últimas fontes, já que sua morte em terremoto sírio poderia desencadear buscas em ruinas, porque terremoto por terremoto, também um destes aconteceu recentemente na Síria. O horror não poupa nada ou ninguém. Quem tem a ganhar com um conflito sem fim, que destrói um país até suas raízes?

Em 2012, o jornal britânico The Guardian estipulou que a fortuna da família Assad seja de aproximadamente 122 bilhões de dólares. O dinheiro viria através de bens e outros capitais (energia, terras e imóveis). O atual presidente Bashar al-Assad, assim como o pai, seu antecessor, garante que o manejo do dinheiro seja feito dentro do seu círculo íntimo. Seus familiares e apoiadores mais leais mantêm há décadas proeminentes cargos no governo e controlam boa parte das instituições ainda vivas no país.

E SE UM PESADELO VIRASSE SONHO?

Pensando aqui com meus botões: e se a Teoria do Caos estiver mesmo correta, e o Efeito Borboleta, descoberto pelo matemático Edward Lorenz, funcionar para tudo?

Assim:  Efeito Borboleta nada mais é que a análise de como pequenas alterações nas condições iniciais de grandes sistemas podem gerar transformações drásticas e significativas nestes. Como se o bater de asas de borboleta pudesse reverberar pelo planeta. Pequenas alterações de cálculo mudam o jogo.

Se um Tribunal Internacional de Direitos Humanos conseguir tirar os vampiros Assad das terras sírias, por conta de um advogado que morreu entre escombros, eu paro tudo.

O mesmo acontece se o vento balançar as bandeirinhas de seda tibetanas e uma única criança lembrar disso lá longe, nas estepes geladas. Eu não paro de sonhar.

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