O mais legal de ultrapassar a barreira dos 60 anos é começar a ver a vida ao contrário. Quando jovens, queremos chegar de uma só vez ao futuro.
Mais velhos, buscamos entender o que ficou atrás. Aos poucos, já dá pra saber que uma vida só é pouco para a tarefa. Além do nosso próprio lixo mental, trazemos bagagem extra do passado, bobagens nossas e as herdadas dos pais etc.
Quem nasceu filho de imigrantes no meio do século passado, periferia de São Paulo, sabe o que é trabalhar demais, economizar muito e desconfiar de todos.
É assim a vida dos imigrantes na América do Norte e aqui, onde também a população pobre esteve restrita por décadas unicamente a subsistir e enfrentar a violência.
Mas o Brasil tem uma coisa única, que um dia ainda terá explicação científica. Foram as migrações internas, que trouxeram para o Sudeste do país milhões de nordestinos que, além de cuidar da industrialização, hoje abraçam e protegem as crianças das mães que trabalham fora, em áreas urbanas.
São mulheres criadas em famílias grandes, com raízes seculares em suas regiões de origem. Pobres ou ricas, o fator tradição lhes confere deferência e respeito em seus grupos sociais.
Como explicar? É como se um enorme cobertor descesse sobre a dureza paulistana, enchendo os prédios cinzentos de cantigas de areia, brincadeiras das praças das zonas rurais, pão quente…A dureza urbana dos imigrantes vai amolecer diante da doçura nordestina. Verão.
Aqui no Tijolinho temos muitas mulheres assim. Uma delas é Francisca Marcia Ferreira de Souza. Nasceu há 45 anos na cidade de Castelo, zona rural do Piaui.
Conhecida entre os seus como Chica, ela tem o riso alegre, o mesmo da infância junto aos oito irmãos. Abandonou a família em 1997, aos 14 anos, para iniciar a vida de trabalho “no Sul”, como diz, ao lado de uma irmã mais velha. Desde então, mora no bairro União de Vila Nova, região de São Miguel Paulista.
O primeiro companheiro, Deli Rosa, morreu num acidente de automóvel. Seu filho mais velho, Kevin,16, fruto desse relacionamento, mora no Piaui. Anualmente, Marcia visita a família e encontra sua avó Vicenza, 96 anos.
Atualmente, em São Miguel Paulista, ela vive cercada dos parentes nordestinos com seu filho menor, Kauã, 10 anos. São os dois e seus gatos, Salem e Nina. Na foto acima, seu filho Kauã aparece com a gata Nina.
![](https://tijolinho.org/wp-content/uploads/2023/05/salem-1.jpg?w=720)
O primeiro trabalho de Marcia foi como cuidadora. Lá ficou 21 anos. Depois fez uns bicos até aparecer o trabalho como babá. Isabel é “a segunda criança”.
A corrente parece não ter fim. Um cobertor grande demais.